Marco regulatório para produtos plant based recebe consulta pública; entenda os efeitos da medida no mercado brasileiro
Proposta do Ministério da Agricultura e Pecuária quer estabelecer os requisitos mínimos de identidade e qualidade para produtos análogos e as regras de rotulagem
A proposta que prevê a definição de requisitos mínimos de identidade e qualidade, identidade visual e regras de rotulagem para produtos análogos de base vegetal no Brasil passa por consulta pública. O prazo de 75 dias foi aberto nesta segunda-feira (3) pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) por meio da publicação da Portaria nº 831. O objetivo, com isso, é suprir a ausência de um regulamento para os plant based que já se encontram no mercado nacional e garantir que eles sejam oferecidos ao consumidor com informações claras, segundo a pasta do governo federal.
A discussão que permitiu a chegada até este momento é pavimentada desde 2019, quando estes produtos começaram a aparecer nas prateleiras dos supermercados em meio a um vazio regulatório, conforme definição do vice-presidente de Políticas Públicas do The Good Food Institute (GFI), Alexandre Cabral, em entrevista ao BHB Food. A organização sem fins lucrativos trabalha internacionalmente para acelerar a inovação do setor de proteínas alternativas e, no Brasil, foi uma das vozes que se manifestaram ao Mapa em defesa de um marco legal para os plant based.
Os inovadores se colocam no mercado atendendo as regras que eles conseguem entender como cabíveis a eles, mas resta uma interpretação definitiva do regulador estabelecendo os limites desse produto.
Alexandre Cabral
O que está previsto na proposta?
O texto define como análogo de base vegetal o produto alimentício formulado com matéria-prima de origem vegetal, que guarda relação com o correspondente produto de origem animal regulamentado pelo Mapa. Como matéria-prima entende-se o ingrediente utilizado em maior proporção na formulação do produto. E como ingrediente, toda substância, incluídos os aditivos alimentares, empregada na fabricação ou preparo de alimentos e que está presente no produto final em sua forma original ou modificada.
Sobre os requisitos mínimos de qualidade, observada a característica e composição de cada produto, a proposta sugere:
- – Utilizarem ingredientes autorizados em legislação específica
- – Estarem isentos de substâncias nocivas à saúde e atender aos padrões microbiológicos previstos em legislação específica
- – Serem produzidos de acordo com as boas práticas de fabricação
- – Estarem isentos de odores estranhos ao produto.
Para Alexandre Cabral, o marco regulatório proposto “define coisas que precisavam ser definidas e não se deu à tentação de definir em muitos detalhes parâmetros que teoricamente podem já estar definidos em outras regras”. Exemplo disso, ele aponta, está na menção aos ingredientes autorizados.
“Ele não disse quais ingredientes, nem disse ‘vou fazer uma lista de ingredientes autorizados para plant based’. Com isso, ele remete para todo um arcabouço de alimentos que já existe na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e que tem, por exemplo, listas positivas. “Qualquer produto pode usar o que quiser, desde que este ingrediente esteja autorizado ou que a empresa se antecipe pedindo sua autorização dentro da Anvisa. Isso evita que esse marco regulatório de plant based tenha capítulos, artigos e incisos definindo essas listas que a Anvisa já regula”, observa.
A proposta de regularização também torna obrigatório o registro de produtos no DIPOV (Divisão de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal) do ministério.
A rotulagem de produtos análogos
Ainda conforme a proposta, no caso dos produtos análogos de base vegetal embalados, a marcação ou rotulagem deverá conter, no mínimo, as seguintes informações:
- – Denominação de venda do produto, no painel principal: “ANÁLOGO VEGETAL DE” seguido da denominação de venda do produto de origem animal regulamentado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (por exemplo, ANÁLOGO VEGETAL DE LEITE)
- – Indicação de uso, que é de caráter facultativo
- – Identificação do lote
- – Identificação do responsável pelo produto: nome, Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) ou no Cadastro Nacional de Pessoa Física (CPF) e o endereço
- – Conter a expressão legível: “esse produto não substitui o seu análogo de origem animal em termos nutricionais ou funcionais“
A marcação ou rotulagem também não deve utilizar termos ou imagens que possam depreciar o produto de origem animal ou o sistema de produção animal, assim como recursos visuais que possam tornar a informação enganosa, ou que, mesmo por omissão, induza o consumidor ao erro sobre a origem do produto, e termos de referência à indicação geográfica ou denominação de origem que dependam de certificação. Também não serão permitidas declarações de alegações nutricionais que não estejam previstas em legislação específica.
Tais definições, na visão do dirigente do GFI, estão alinhadas com o que se vê como comportamento de mercado. “As proteínas plant based não vêm para substituir as proteínas de origem animal, vêm para conviver com elas num cenário de oferta para o consumidor brasileiro e internacional de uma nova categoria de produtos de alto valor agregado. Quando o marco regulatório colocado em consulta pública define produtos análogos como aqueles que guardam relação com um correspondente animal, ao mesmo tempo ele não diz que o produto plant based não é animal, mas também diz que ele guarda uma semelhança”, argumenta.
Por que as empresas precisam desse marco?
O desenho de uma regra para os produtos plant based pode ser um fator determinante para a tomada de decisão de empresas sobre quais passos dar ou deixar de dar neste mercado. Segundo Alexandre Cabral, as dúvidas regulatórias a respeito de quais informações colocar no rótulo, por exemplo, deixam as marcas expostas diante de questionamentos de reguladores.
“No Brasil, o regulamento é definido de forma federal, mas é inspecionado de forma estadual ou municipal. E havia esse debate sobre o que pode ou o que não pode. Agora, há o desenho de uma regra. As empresas podem olhar para essa regra e dizer ‘permaneço nesse mercado, desenvolvo meus produtos, desenvolvo novas linhas de produtos, ou não permaneço nesse mercado, porque essa regra torna, de alguma maneira, o meu produto inviável ou pouco competitivo’. Qualquer regra é melhor do que a ausência delas. Ter um artigo, segundo ou terceiro para criticar ou elogiar é muito melhor do que não ter nada e viver numa incerteza regulatória como se vinha vivendo até hoje no Brasil”, diz o vice-presidente de Políticas Públicas do GFI.
Ele prossegue seu raciocínio apontando que não há exatamente um ponto de inflexão que seja simbólico para a ação governamental diante do tema, mas sim um processo motivado pelo constante e já mapeado crescimento do interesse do consumidor por estes produtos. O passo regulatório, dessa forma, tende a refletir nos rumos do setor.
“Para eu, como empresa, tomar uma decisão mais consistente no meu plano de negócios em relação a investimentos em produção de portfólio, eu preciso eliminar da minha equação o risco da incerteza regulatória. Eu não posso lançar um produto e tomar uma decisão sobre um rótulo correndo o risco que a fiscalização sanitária de Florianópolis e de Porto Velho me autuem, enquanto eu continue vendendo normalmente em todo o mercado mineiro. Para as empresas isso é muito caro”.
Tal passo também pode influenciar regulamentos semelhantes no exterior, especialmente na América Latina, eliminando as chamadas “jabuticabas” na legislação de determinado país, “com coisas que são únicas para aquele mercado e que tornam muito difícil que um produto global entre lá ou que um produto saia de lá para ser global, uma vez atendendo esses requisitos”, completa Cabral.
O que diz o Mapa e como contribuir
O Ministério da Agricultura e Pecuária se manifestou sobre a publicação da portaria e a abertura da consulta pública por meio de declaração do diretor do DIPOV, Hugo Caruso. “O estabelecimento dos requisitos mínimos de identidade e qualidade para os produtos análogo de base vegetal permitirá que diversos produtos vegetais, que possuem um análogo animal com requisitos mínimos de identidade e qualidade já regulamentados, passem a ser fiscalizados pelo Mapa, permitindo a verificação da segurança e qualidade desses produtos, além de fornecer informações claras e precisas ao consumidor”.
As sugestões tecnicamente fundamentadas deverão ser encaminhadas por meio do Sistema de Monitoramento de Atos Normativos (Sisman), da Secretaria de Defesa Agropecuária, por meio do link: https://sistemasweb.agricultura.gov.br/sisman/. Para ter acesso ao Sisman, o usuário deverá efetuar cadastro prévio no Sistema de Solicitação de Acesso (SOLICITA), por meio do link: https://sistemasweb.agricultura.gov.br/solicita/.