A busca pela saúde e bem estar tem sido pertinente nos dias atuais e esse cuidado repercute diretamente nas mudanças no estilo de vida, na prática regular de atividades físicas e principalmente na alimentação. Com isso, a comida passou a ser reduzida aos nutrientes que a compõem com objetivos de prevenir doenças, melhorar a aptidão física ou ainda para alcançar um padrão corporal que atenda às exigências estéticas estabelecidas pelas redes sociais, principalmente. O ato de comer passou a ser problematizado de tal forma que muitos indivíduos passaram a questionar tudo o que come, deixando de lado o comer por prazer e por necessidade biológica, diante disso é interessante trazer alguns conceitos acerca de abordagens possíveis para naturalizar a comida.
A alimentação é fator indispensável na vida humana sendo influenciada pela rotina das pessoas (MARQUES et al, 2014) e é devido a rotina corrida que o consumo de fast food se torna uma opção considerada viável.
O fast food enfatiza o consumo rápido de alimentos pobres nutricionalmente, pois são adicionadas grandes doses de gorduras, açúcares e sal que servem para nos despertar sensações adequadas (MARQUES et al, 2014). Entretanto, o hábito de comer rapidamente e consumir lanches rápidos com muita frequência pode trazer consequências perigosas à saúde a longo prazo.
Na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), demonstrou que o consumo de lanches rápidos teve um aumento entre os anos de 2008 e 2018. Conforme o último levantamento realizado em 2017/2018, o consumo de fast food passou para 17% enquanto que nos anos 2007/2008 era de 10,5%. Ainda que o fast food possa saciar o prazer em comer e as opções são sedutoras, este vai de desencontro ao slow food.
O Slow Food têm se tornado tendência no Brasil e no mundo, sendo foi criado em 1989 pelo ativista italiano Carlos Petrini que fundou o Slow Food como uma forma de protesto contra o fast food, que em 1986 na Piazza di Spagna, no centro histórico de Roma (Itália), inaugurava-se a primeira loja no país da maior cadeia de fast food do mundo.
O Slow Food veio como uma associação enogastronômica com propósito de defender: a comida boa e de qualidade, o prazer de comer à mesa e um ritmo de vida mais lento, conforme conta Ana Raquel Macedo em reportagem da Rádio Câmara (2021). Através desse movimento o olhar para a comida se torna mais prazeroso e quando ampliado para o modo como vivemos, a vida se torna mais leve e melhor aproveitada.
Como lema, o Slow Food se resume basicamente em: “alimento bom, limpo e justo para todos", o que contribui ainda para a sustentabilidade ambiental, considerando que o alimento limpo é aquele livre de contaminantes, seguro do ponto de vista sanitário e que respeite o meio ambiente. O alimento justo seria aquele vendido a preços acessíveis para quem consome e o produz. A valorização da cultura e biodiversidade alimentar também são pontos abordados no movimento aqui no Brasil.
Um outro conceito que tem se destacado é o Comfort Food ou a comida afetiva, que nada mais é que comer para se sentir bem, despertando emoções através do aroma, do sabor e da textura dos alimentos. Ao redor do mundo o Comfort food se apresenta em variadas receitas carregadas de histórias e sentimentos envolvidos, e cada país possui o seu. Na imagem abaixo são apresentados alguns dos muitos pratos tradicionais e afetivos:
A comida afetiva pode ser capaz de nos transportar a boas lembranças da infância, de momentos marcantes na vida proporcionando um conforto emocional, sendo recomendado inclusive nos cuidados paliativos ao paciente em doença terminal, por exemplo. O comfort food pode ser classificado em 4 categorias, sendo elas (MICHETTI, LAIZ, 2021):
As comidas nostálgicas são aquelas que remetem o indivíduo a um período ou pessoa marcante em sua vida, como a comida caseira de vó.
Comidas de indulgência, esta categoria está relacionada ao comer por prazer sem se preocupar com valores nutricionais envolvidos nos alimentos ou bebidas.
Comidas de conveniência são aquelas consideradas práticas e rápidas, geralmente não necessitam de nenhum preparo pois já estão prontas para consumo, fast foods e deliverys são exemplos desta categoria, e de alguma forma leva a um conforto emocional instantâneo.
A última categoria atribuída ao Comfort food são as “comidas de conforto físico” que une características como textura e temperatura em um único alimento ou preparação proporcionando sensação de bem-estar emocional e melhora do estado físico (LEGNAIOLLI, 2021). O café ou chocolate quente são exemplos que podem ser aqui citados.
Em um estudo transversal qualitativo realizado em 2018 pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, abordou 30 pais e responsáveis de crianças em tratamento oncológico aplicando a esses um questionário sobre: o sabor, a temperatura, a apresentação e aparência das refeições servidas; se houve oferta ou atenção especial da equipe em satisfazer os pedidos de alguns alimentos pelas crianças; sintomas que impactam no consumo e ações da equipe por meio da alimentação para promover conforto, dentre outras perguntas presente no estudo. Considerando as dificuldades das crianças em tratamento oncológico em se alimentar e o impacto dessa dificuldade na recuperação e tratamento, o comfort food aliado a gastronomia hospitalar pode contribuir na melhora dessa aceitação alimentar.
Aos resultados e discussão deste estudo, apenas 17 pais responderam ao questionário, em que 76,1% das crianças não gostavam do sabor dos alimentos mesmo com as refeições adaptadas para atenderem as suas preferências (64,7%). Além disso, a maioria das refeições servidas não apresentavam cortes e apresentações diferenciadas ou lúdicas que fosse capaz de atrair a aceitação alimentar desses pacientes, outras observações foram descritas no estudo.
A prática de levar em consideração a comida afetiva aliada à gastronomia hospitalar, pode favorecer a adesão do paciente ao tratamento nutricional, pois a comida afetiva pode ser considerada mais saborosa trazendo impactos positivos a saúde, além de promover o conforto dos sintomas e evitar os impactos decorrentes da desnutrição (FERNANDE & SPINELLI, 2020).
Alimento é qualquer substância capaz de saciar e nutrir o indivíduo. Nutrientes são estruturas que constituem o alimento. E saúde é o estado de completo bem estar físico, mental e social e não somente ausência de doenças. Então o ato de comer vai muito além de “limitar o alimento ao nutriente” para tratar ou prevenir enfermidades.
Existem culturas, crenças e memórias que podem estar envolvidas em um único prato de comida. E valorizar e incentivar os conceitos de comfort food e slow food que não reduz os alimentos a apenas nutrientes é importante para melhorar a nossa relação com a comida.
Conta aqui nos comentários, qual alimento ou preparação culinária te envolve e te acolhe ao comer?
Graduanda em nutrição pela Universidade Católica do Salvador. Técnica de alimentos e bebidas pelo SENAI-Ba. Membro do Núcleo de Unidade de Alimentação e Nutrição da Universidade de Salvador UNIFACS