O mercado de alimentos para alérgicos e intolerantes
Uma alimentação diversificada é importante sob muitos aspectos, tanto nutricionais quanto sociais e afetivos, mas pode ser bastante desafiadora para quem sofre de alergias ou intolerâncias alimentares.
A consciência sobre o tema cresce a cada dia, assim como a demanda por mais opções de alimentos seguros, práticos e saborosos para pessoas com restrições alimentares. Seria o mercado de alimentos especiais para alérgicos e intolerantes um horizonte de oportunidades?
Embora sejam confundidas com certa frequência pelo senso comum, alergia e intolerância alimentar guardam diferenças significativas, especialmente no que diz respeito a seus efeitos.
Diferenças entre alergia e intolerância
A alergia alimentar costuma se originar na infância e gera uma resposta imunológica imediata do organismo, que reage à determinada proteína presente no alimento como se fosse um agente agressor. Entre os sintomas, que podem ser extremamente severos, estão falta de ar, coceira na pele, diarreia e vômito.
Já a intolerância pode se manifestar em qualquer época da vida e se caracteriza pela dificuldade de digerir corretamente determinado alimento, ocorre pela ausência de uma enzima necessária ao processo. Seus sintomas tendem a ser mais tardios e brandos, ainda assim, bastante incômodos para quem os sofre.
Embora sejam diferentes do ponto de vista fisiológico, alergias e intolerâncias alimentares compartilham um potencial limitante da qualidade de vida. Afinal, a pessoa que sofre com elas precisa redobrar a atenção ao comer fora de casa e costuma não encontrar opções no cardápio de eventos sociais, em viagens etc.
Muitas pessoas são afetadas por alergias e intolerâncias?
O que dizem os números: A literatura internacional aponta que, globalmente, cerca de 8% das crianças com até 2 anos e 2% dos adultos têm algum tipo de alergia alimentar. O Brasil não dispõe de estatísticas oficiais, mas estima-se que apresente índices semelhantes, segundo a Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia.
No que diz respeito à intolerância, os números tendem a ser ainda maiores, especialmente na população adulta. Para termos uma ideia, pesquisa conduzida pelo Datafolha em 2015 apontou que 35% da população brasileira com mais de 16 anos relata algum desconforto gastrointestinal depois de consumir leite e derivados. Um percentual bastante expressivo!
Entre os alimentos mais alergênicos estão: leite de vaca, ovos de galinha, peixes e crustáceos, amendoim e soja. Mas os maiores “vilões” mudam bastante de região para região. Estudos mostram, por exemplo, que enquanto nos EUA há maior sensitização (resposta errada do organismo à produção de anticorpos IgE) ao amendoim, na América Latina, o problema maior acontece com frutas e peixes.
Nada de modinha, os consumidores estão atentos
O assunto tem se destacado na mídia há poucos anos e, se durante algum tempo houve quem acreditasse que restringir o consumo de lactose, glúten ou soja era só mais uma “moda dietética”, hoje a população se mostra mais consciente.
Esse ganho de consciência tem sido crucial para a adequação da legislação e da indústria. No Brasil, o exemplo mais emblemático é o movimento Põe no Rótulo, que nasceu quando mães de crianças alérgicas se organizaram para jogar luz sobre o tema e exigir mudanças nas diretrizes de rotulagem de alimentos.
A iniciativa culminou na aprovação, em 2015, da RDC n.o 26/15 pela ANVISA, determinando que os fabricantes destaquem no rótulo os alergênicos que podem estar presentes no produto. Uma vitória importantíssima, que representa mais segurança na hora da compra. A atuação do Põe no Rótulo se expandiu e deu origem ao Alergia Alimentar Brasil, iniciativa que, para além das políticas de rotulagem, busca levar informação acessível e embasada sobre o assunto ao maior número possível de pessoas.
“Com a entrada em vigor da RDC n.o 26/15, percebemos que a clareza sobre a presença dos principais alergênicos e também sobre o risco de contaminação cruzada diminuiu sensivelmente os relatos de reações alérgicas, o que era nosso objetivo com o movimento Põe no Rótulo. A experiência de leitura atenta e constante de rótulos de alimentos, em razão da alergia alimentar, e o mergulho profundo na arte de adaptar receitas leva muitos consumidores a serem mais críticos em relação à composição dos produtos. Assim, o lançamento de produtos que alcança a comunidade de alérgicos é bem-vindo, tendo em vista o potencial de inclusão, mas precisa levar em conta esse perfil mais consciente em relação à alimentação.”
Cecília Cury, cofundadora do Põe no Rótulo e do Alergia Alimentar Brasil.
A resposta do mercado às necessidades do consumidor com restrições alimentares
Enquanto algumas empresas apenas se adequaram à legislação, outras viram uma oportunidade de inovar. Começaram a surgir marcas inteiramente focadas no consumidor com restrições, bem como foram desenvolvidas linhas e produtos específicos dentro de indústrias tradicionais.
Veja alguns cases:
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- Transformando a necessidade em negócio:
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- Adriana Fernandes, fundadora da Mandala Comidas Especiais, descobriu que seu filho era alérgico alimentar múltiplo durante a amamentação exclusiva. O bebê era incapaz de processar proteínas de diversos alimentos cujos traços estavam presentes no leite da mãe. Para seguir amamentando, ela teve que cortar a ingestão de leite, ovos, trigo, soja, amendoim, castanhas e crustáceos e preparar receitas que, até então, nem sonhava. Para atender outas pessoas com a mesma necessidade, decidiu investir em um negócio de refeições ultracongeladas livres de qualquer alergênico. Fundada em 2015, a empresa foi uma das selecionadas pelo programa de aceleração Itaú Mulher Empreendedora e, mais recentemente, escolhida pela M. Dias Branco como parceira no programa Germinar, criado pela gigante dos biscoitos para mapear negócios inovadores pelo país. Além de vender diretamente ao consumidor pelo e-commerce, a Mandala atua também com private label e fornece refeições para instituições renomadas, como o Hospital Albert Einstein.
Bolinha sabor pizza com queijo vegetal, um dos produtos da Mandala.
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- Nos Estados Unidos nasceu a Free2b nasceu, em 2008, de um desafio recebido por seus fundadores: criar um versão livre de alergênicos do tradicional peannut butter cup para uma criança. O produto, desenvolvido à base de manteiga de sementes de girassol, deu origem a uma linha de doces e biscoitos variados livres de 12 ingredientes alergênicos. A versão livre de alergênicos do tradicional peannut butter cup da Free2B- Expandindo o portfólio para alcançar novos públicos Entre as marcas que decidiram diversificar seu portfólio para atender ao mercado free from (livre de) está a Sacciali, do Grupo Predilecta. Conhecida por sua linha de massas com receita tradicional italiana, que contém farinha de trigo especial e ovos na formulação, a empresa decidiu proporcionar aos alérgicos e intolerantes a possibilidade de desfrutar de uma bela macarronada sem medo. Assim nasceu uma linha completa de massas à base de leguminosas, grãos e tubérculos, como ervilha, arroz e mandioca. A linha conta hoje com 11 SKUs, entre versões de talharim e espaguete. Todos produzidos em uma unidade fabril exclusiva, evitando riscos de contaminação cruzada.
“Como em toda família cada um gosta de uma coisa ou apresenta alguma necessidade específica, vimos a importância de oferecer um produto que atenda restrições, patologias ou simplesmente entregue saudabilidade ao consumidor. A intenção é desmistificar e mostrar que uma comida vegana e sem glúten é muito gostosa também! Da tradicional macarronada da nonna à massa ‘exótica’ da neta, todos podem se satisfazer e optar por algo mais saudável”.
Keiko Ogata, gerente de marketing Sacciali.
Talharim de grão-de-bico com arroz integral, um dos produtos da linha de massas gluten free da Sacciali.
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- Outra empresa consolidada a expandir seu portfólio mirando o público com alergia ou intolerância foi a Jasmine Alimentos, que lançou sua linha de pães sem glúten em 2017 e já responde por 35% do mercado brasileiro dessa categoria, como mostramos aqui. Atualmente, além dos pães, cookies, granolas e biscoitos doces e salgados também integram a linha sem glúten da Jasmine.
Jasmine vem ampliando sua linha sem glúten com pães variados, biscoitos e granolas.
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- Até mesmos padarias tradicionais começam a investir em produtos voltados a esse consumidor com bons resultados! No app epadoca, que conecta consumidores a padarias para encomendas e pedidos on-line, os produtos mais solicitados são pães sem glúten e alimentos sem lactose, segundo o CEO Wendell Alves. Oportunidades no horizonte, temos! Projeção realizada pela consultoria internacional Zion Market Reserach aponta que o mercado gluten free deverá atingir a marca de US$ 7,6 bilhões em 2024, o que representa uma taxa de crescimento anual composta de 7,12% entre 2018 e 2024. E estamos falando apenas de uma das alergias/intolerâncias que já são mais exploradas, mas o leque, como vimos, é bem amplo.
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- Mais recentemente, outro desconforto alimentar tem ganhado destaque: a intolerância aos FODMAPs, sigla para Fermentable Oligosaccharides, Disaccharides, Monosaccharides and Polyols, tipos de carboidratos altamente fermentáveis que não são bem digeridos, podendo levar à diarreia, distensão abdominal e cólica, por exemplo. Está claro que há um grande número de consumidores, com diferentes tipos de alergias e intolerâncias, ávidos por produtos capazes de facilitar seu dia a dia, tornando sua alimentação mais prática e prazerosa com total segurança. Isso mostra que há muito espaço para marcas e empreendedores que desejam investir no segmento.
Para entrar no mercado sem erros: 4 dicas importantíssimas!
Como abordamos no início, alergias e intolerâncias alimentares são assunto bastante sério, que se relaciona diretamente com a saúde e qualidade de vida das pessoas. Se você pensa em investir nesse mercado, deve considerar alguns pontos:
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- Comprovação científica: embase o desenvolvimento de seus produtos nas mais recentes evidências científicas sobre o tema. É fundamental conhecer a fundo o problema que afeta o público que você pretende alcançar. Contar com a assessoria de profissionais especializados é um ótimo caminho.
- Segurança na fabricação: a ingestão de qualquer traço de um alérgeno pode desencadear reações imediatas e graves. Para que um produto seja considerado apto à pessoa com alergia, é imprescindível evitar a contaminação cruzada. Isso significa garantir que em nenhuma etapa da produção o alimento tenha contato com o ingrediente “proibido”. O Guia sobre Programa de Controle de Alergênicos da ANVISA oferece orientações precisas nesse sentido.
- Aspectos sensoriais: alérgicos e intolerantes, como todos nós, buscam prazer na alimentação. Para que seu produto seja realmente atrativo, não basta retirar o ingrediente prejudicial. Sabor, textura e apresentação convidativa são chaves para o sucesso.
- O consumidor para além da alergia: pessoas que compartilham de uma mesma alergia ou intolerância alimentar podem ter gostos e estilos de vida muito diferentes. Seu produto pode e deve ter diferenciais para além do free from, seja no sabor, na embalagem ou na comunicação. Uma mistura para bolo sem lactose, por exemplo, pode ser mais focada na avó de uma criança alérgica ou em um jovem atleta intolerante… Pesquise, converse, encontre seu nicho dentro do nicho!
Quanto mais pessoas informadas sobre alergias e intolerâncias, mais consumidores dispostos a fazerem melhores escolhas para sua alimentação. O mercado precisa estar preparado para dar a eles a variedade de opções que merecem.
O quanto você acha que essa oferta ainda está longe do ideal? Conte para nós.