Não é de hoje que os órgãos reguladores enfrentam o desafio de incorporar novos produtos cujas características não estão contempladas pelas normas vigentes. Em um mundo cada vez mais conectado e com o comércio internacional que se intensifica a cada dia, as transformações acontecem em um ritmo acelerado, impondo desafios cada vez mais complexos tanto para as empresas quanto para as agências reguladoras.
A busca constante por novos processos, tecnologias, produtos, mercados e formas de negócio promove mudanças significativas, introduzindo padrões de atuação que frequentemente desafiam os órgãos reguladores.
Segundo a ANVISA: “A celeridade no processo de incorporação das inovações na área de alimentos é uma demanda do setor produtivo e de interesse para a sociedade. No entanto, ao mesmo tempo em que os avanços tecnológicos na produção de novos alimentos e novos ingredientes podem conferir propriedades desejáveis aos produtos, os riscos associados às novas tecnologias devem ser avaliados e gerenciados a fim de proteger a saúde da população.”
Assim, o rápido avanço tecnológico frequentemente se depara com um grande desafio regulatório: como garantir que essas novas ideias sejam seguras e eficazes, sem frear o crescimento das empresas em um mercado cada vez mais competitivo?
O Papel da Regulamentação e a Simplificação dos Procedimentos
A regulação sanitária desempenha um papel fundamental na sociedade ao definir diretrizes que protegem a população, evitando fraudes e garantindo padrões mínimos de segurança para que produtos e serviços cheguem ao consumidor com qualidade.
No entanto, a falta de revisão nas normas pode gerar inconsistências, deixando-as desalinhadas com as demandas do mercado atual. Isso pode resultar em lacunas ou uma rigidez excessiva. Esse cenário não apenas inibe a inovação, mas também pode levar à estagnação do progresso e à perda de oportunidades de mercado.
A ANVISA, em seu relatório de impacto regulatório, reforça essa preocupação ao afirmar que “as boas práticas regulatórias devem defender o interesse dos cidadãos e melhorar a prática setorial. Por outro lado, a regulação não deve ser excessiva e desproporcional, impedir a inovação ou criar barreiras desnecessárias ao comércio, à concorrência e ao investimento”.
Diante desse contexto, temos observado que a ANVISA está, de fato, se ajustando ao cenário atual, modernizando seus procedimentos e adotando medidas de simplificação que visam facilitar a inovação e a regularização de novos produtos, sem comprometer as medidas necessárias para a proteção da saúde pública.
Nesses 10 anos de atuação no setor regulatório, pude acompanhar esse progresso, que inclui melhorias no acesso à informação, maior clareza nas normas técnicas e, certamente, uma simplificação considerável na regulamentação de algumas classes de produtos.
Um exemplo claro desse avanço é a RDC nº 839/2023, que modernizou as regras, os fluxos e os procedimentos para a comprovação de segurança e autorização de uso de novos alimentos e novos ingredientes.
A norma traz definições claras e detalhadas sobre novos alimentos e ingredientes, além de incorporar novas bases conceituais relevantes para a aplicação do conceito legal desses produtos. Com o objetivo de reduzir a fila de análises, também foi criada a possibilidade de consulta prévia à ANVISA para verificar se um alimento ou ingrediente é considerado novo.
Ou seja, empresas que têm essa dúvida podem submeter uma petição específica, e a resposta é publicada no Portal da Agência. Embora essa consulta não seja uma avaliação de segurança, sua divulgação pública ajuda a orientar outras empresas com a mesma questão, reduzindo a carga de trabalho da Agência, que passa a evitar a recorrência de questionamentos semelhantes.
Além disso, a resolução introduziu procedimentos otimizados para a avaliação de segurança de novos alimentos e ingredientes. Produtos com histórico de consumo seguro em outros países ou aprovados por autoridades reguladoras estrangeiras equivalentes, por exemplo, podem ser analisados com mais rapidez, desde que respeitando critérios definidos na norma, agilizando a entrada no mercado.
Outro avanço significativo foi o novo marco regulatório para alimentos e embalagens. Após a avaliação de risco, a ANVISA concluiu que, uma vez avaliado e aprovado um novo ingrediente ou alimento, não é necessária sua reavaliação no produto final. Isso elimina a exigência de uma classe de registro para novos alimentos, já que a avaliação de segurança ocorre antes da produção do produto final, que deve apenas cumprir o regulamento técnico específico.
Oportunidades para Empresas: Menos Barreiras, Mais Inovação
Todos os pontos anteriormente citados, trazem para as empresas do setor de alimentos novas oportunidades. Com procedimentos mais claros e rápidos, há uma redução administrativa para as empresas e para a Agência, permitindo que novos produtos cheguem ao mercado em menor tempo.
Vale lembrar que os processos de avaliação de segurança devem estar muito bem embasados com especificações técnicas robustas e bem fundamentadas, esse é um ponto chave para que os requisitos regulatórios sejam cumpridos e diminuam as incertezas existentes para novos alimentos e novos ingredientes.
Essa modernização foi essencial, pois trouxe novas perspectivas para implementar ações que promovem maior agilidade e eficiência na análise desses processos, representando um avanço significativo para a inovação regulatória.
Entretanto, apesar dos esforços da Agência, os prazos de análise podem não atender plenamente às expectativas da indústria. O tamanho atual da equipe da Gerência de Alimentos, aliado à complexidade das análises, apresenta desafios. No entanto, ao observar hoje o tempo médio de processamento das petições, já se nota uma redução considerável no prazo das avaliações simplificadas em comparação com as avaliações completas de segurança e eficácia de novos alimentos e ingredientes.
Do ponto de vista regulatório, esse avanço é notável, e o tempo de resposta para as petições simplificadas, considerando a complexidade dos processos administrativos versus quantidade de servidores, pode ser considerado ágil e representa um marco importante para a inovação.
Conclusão: Caminho para o Equilíbrio
A busca por equilíbrio entre direitos e obrigações é fundamental no contexto regulatório. A celeridade no processo de incorporação de inovações no setor de alimentos é uma demanda tanto do setor produtivo quanto da sociedade. No entanto, é crucial que a regulação continue preservando medidas necessárias para garantir a saúde da população, sem se deixar influenciar por interesses que possam comprometer essa missão.
A ANVISA tem avançado na busca desse equilíbrio, promovendo uma modernização da legislação, sem deixar de lado a segurança. Com regras mais claras e procedimentos mais ágeis, a Agência tem criado um ambiente em que inovação e regulamentação podem coexistir de forma mais harmoniosa, permitindo que novos produtos cheguem ao mercado com maior eficiência.
Para as empresas, essas mudanças oferecem uma oportunidade de ajustar suas estratégias e se engajar de forma mais eficaz no processo regulatório. Além disso, para que esses avanços continuem, é crucial que as indústrias participem ativamente dos processos de participação social, contribuindo para a redução da assimetria de informação e ajudando a construir normas que reflitam a realidade do mercado. Esse engajamento é essencial para impulsionar mudanças mais legítimas e eficientes.