Os consumidores estão cada vez mais atentos aos rótulos dos alimentos e mais exigentes nas decisões de compra. A forma como as pessoas se relacionam com a comida vem mudando e, com isso, os critérios utilizados na escolha dos produtos também. A busca por uma alimentação mais saudável se consolidou como tendência, visto que há uma preocupação crescente em saber o que está sendo consumido e em fazer escolhas mais conscientes.
Nesse cenário, listas extensas de ingredientes com nomes difíceis ou desconhecidos assustam. Essa necessidade de mais clareza e transparência que deu origem ao movimento clean label, que valoriza alimentos com ingredientes naturais, sem aditivos artificiais e com comunicação mais simples e clara.
A indústria de alimentos tem acompanhado essa mudança e feito transformações importantes para atender esse novo perfil de consumidor, que é mais preocupado com saúde e sustentabilidade, mas que não abre mão da praticidade que os produtos processados oferecem.
Mas afinal, o que é um produto clean label?
Embora não exista uma definição legal para esse conceito, ele tem sido amplamente usado para descrever alimentos com rótulos mais claros, com ingredientes conhecidos e compreensíveis para o consumidor. Mas vai além de nomes familiares: envolve o uso de ingredientes naturais, menos processados, menor quantidade de ingredientes e livres de aditivos artificiais ou sintéticos.
Segundo levantamento da Innova Market Insights, realizado em novembro de 2024, 58% dos consumidores globais priorizam a qualidade dos ingredientes e produtos ao fazer suas escolhas de compra. Ou seja, o clean label é mais do que uma tendência de mercado, é uma resposta direta ao desejo de transparência e confiança.
A pesquisa também destaca que, conforme os consumidores passam a valorizar mais a qualidade, é essencial que as marcas invistam no aprimoramento de atributos como frescor, valor nutricional, benefícios à saúde e origem dos ingredientes.
A rotulagem frontal e a percepção de saudabilidade
O movimento por rótulos mais limpos ganhou ainda mais força com a mudança nos requisitos da rotulagem nutricional frontal, implementada pela Anvisa em 2022. Os alertas visuais sobre teores elevados de açúcar, sódio e gorduras saturadas aumentaram a atenção do consumidor, que passaram a repensar a compra de produtos com essas advertências, avaliando melhor os ingredientes e nutrientes dos itens que adquirem.
Embora o movimento por mais clareza nos rótulos tenha ganhado força nos últimos anos, essa preocupação não é recente. Em 2017, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) apontou que apenas 25,1% da população compreendia totalmente as informações presentes nos rótulos. Isso porque o excesso de termos técnicos, a poluição visual das embalagens e o tamanho reduzido das letras dificultavam o entendimento.
Essas discussões também reforçaram a preocupação com os alimentos ultraprocessados, muitas vezes associados a impactos negativos na saúde. O Guia Alimentar para a População Brasileira orienta a evitar produtos com listas extensas de ingredientes — principalmente aqueles que incluem substâncias com nomes pouco familiares e não usados em preparações culinárias.
Inovação, reformulação e tecnologia: os desafios da indústria
Atender a esse novo padrão de consumo exige esforços das indústrias. Reformular receitas e processos para garantir sabor, cor, textura e estabilidade com menos ingredientes — e, preferencialmente, naturais — exige investimento em pesquisa e desenvolvimento.
Soluções como fermentações naturais, enzimas, extratos vegetais e ingredientes com dupla função (tecnológica e sensorial) vêm ganhando destaque. Exemplos disso incluem o uso da cenoura ou do aipo como conservantes, suco de maçã e tâmara como adoçantes naturais e uso de coadjuvantes de tecnologia como enzimas que desnaturam no processo de cocção, por exemplo.
E aqui entra um ponto técnico importante de esclarecer: a diferença entre aditivos alimentares e coadjuvantes de tecnologia.
Aditivos x Coadjuvantes de Tecnologia
Os aditivos alimentares são substâncias adicionadas intencionalmente aos alimentos com o objetivo de modificar suas características físicas, químicas, biológicas ou sensoriais e devem obrigatoriamente constar na lista de ingredientes, conforme exigência da Anvisa.
Já os coadjuvantes de tecnologia são usados durante a produção também para alcançar uma finalidade tecnológica, mas são inativados, consumidos ou removidos no processo. Por esse motivo, não precisam ser declarados no rótulo.
Ambos têm finalidades tecnológicas específicas, mas os coadjuvantes podem ser estratégicos em formulações clean label, pois não exigem menção no rótulo e ajudam a manter funcionalidade, shelf life e qualidade do produto.
Comunicação e regulação: como equilibrar?
Desenvolver um produto com menos ingredientes artificiais ou alterar um alimento já conhecido pelo consumidor, pode gerar mudanças sensoriais, desafios na produção e aumento de custos. Muitas vezes, os ingredientes naturais oxidam mais facilmente, são mais caros ou exigem alterações em processos e embalagens.
Diante disso, quando uma empresa consegue reformular ou desenvolver um novo produto com perfil clean label, é natural que queira comunicar esse diferencial nos rótulos e nas campanhas de marketing.
No entanto, a comunicação desse diferencial deve ser feita com atenção aos requisitos regulatórios. A Anvisa já acompanha essa tendência há alguns anos e, em 2016, publicou o Informe Técnico nº 70, que orienta sobre o uso de algumas alegações e esclarece:
“Embora a reformulação da composição e rotulagem dos produtos processados possa contribuir para torná-los mais adequados às necessidades dos consumidores, em certos casos essas iniciativas podem ser conduzidas apenas como uma estratégia de marketing, sem que exista qualquer vantagem nutricional, de qualidade ou de segurança para o consumidor. Nessas situações, é comum que os dispositivos legais sobre rotulagem de alimentos não sejam observados, expondo o consumidor a informações incompletas e demasiadamente técnicas que podem causar enganos e colocar em risco sua saúde”.
À época, a Agência também esclareceu que recebeu diversos questionamentos e denúncias sobre a veiculação de alegações na rotulagem de alimentos industrializados, destacando aspectos como a ausência de aditivos classificados como artificiais, a presença de aditivos naturais ou ainda a ausência de determinadas classes.
Essas estratégias, ao enfatizarem atributos como “sem aditivos artificiais” ou “contém corantes naturais”, podem ultrapassar os limites legais, expondo as marcas a riscos de penalidades.
É importante lembrar que a legislação brasileira é positiva, ou seja, o que não constar na legislação não tem permissão para ser utilizado. Termos como “sem conservantes”, “produto natural” ou “sem aditivos” só podem ser usados se estiverem previstos no regulamento técnico daquela categoria.
Construindo confiança através da rotulagem
A rotina acelerada nas grandes cidades favoreceu o consumo de alimentos prontos, consolidando hábitos alimentares focados na praticidade. Por outro lado, o fácil acesso à informação tem ampliado a consciência dos consumidores sobre a relação entre suas escolhas alimentares e seus impactos na saúde.
Nesse cenário, o movimento clean label se consolida como um caminho sem volta e, apesar dos desafios, representa oportunidades reais para empresas que souberem inovar com responsabilidade e se posicionar de forma transparente e comprometida.
Essa abordagem aproxima marcas e consumidores, estimula a inovação consciente e fortalece a confiança. Mais do que uma tendência, ela promove reflexões importantes sobre o futuro da alimentação, a sustentabilidade e o papel de escolhas mais transparentes.