A diferenciação entre alimentos, suplementos alimentares e medicamentos pode parecer simples à primeira vista, mas na prática não é bem assim. Isso porque esses produtos compartilham de características, como formas de apresentação, ingredientes e até alegações relacionadas à saúde, o que frequentemente geram dúvidas quanto ao seu correto enquadramento regulatório.
Essa confusão é compreensível, afinal, alimentos e suplementos também podem conter alegações funcionais já que os mesmos geram benefícios a saúde, além disso, alguns ingredientes utilizados em medicamentos estão igualmente presentes nesses outros produtos. O exemplo dos chás ilustra bem essa situação, afinal, em que momento um chá deixa de ser apenas um alimento e passa a ser considerado um medicamento fitoterápico?
Para compreender essas questões, é importante primeiro verificar as definições legais e regulatórias de cada categoria, para apresentar suas diferenças.
O que é considerado um alimento?
De acordo com o Decreto-Lei nº 986/1969, alimento é toda substância ou mistura de substâncias, em estado sólido, líquido, pastoso ou qualquer outra forma adequada, destinada a fornecer ao organismo humano os elementos normais à sua formação, manutenção e desenvolvimento. Ou seja, sua principal função é nutrir o organismo.
Já segundo a RDC nº 429/2020, que trata sobre a rotulagem nutricional dos alimentos embalados, alimento é toda substância ingerida no estado natural, semielaborado ou elaborado, destinada ao consumo humano — incluindo bebidas e qualquer outro ingrediente utilizado na sua elaboração ou preparo. Nessa definição, estão excluídas substâncias de uso exclusivo como medicamentos, cosméticos e produtos derivados do tabaco.
A partir dessas definições, volto ao exemplo dos chás, que é muito útil para ilustrar como uma mesma planta pode ser comercializada sob diferentes classificações regulatórias. No Brasil, chás podem ser enquadrados como:
- Chás alimentícios: São produtos enquadrados como alimentos, conforme disposto na RDC nº 716, de 1º de julho de 2022, sendo constituídos por espécies vegetais autorizadas para o preparo de chás, inteiras, fragmentadas ou moídas, com ou sem fermentação, tostadas ou não. Essas espécies devem estar previstas na INº 159, de 1º de julho de 2022, que lista as espécies vegetais autorizadas para o preparo de chás e o uso como especiarias.
Esses produtos podem ser comercializados em supermercados, a granel, em sachês ou na forma de bebidas prontas para o consumo. Por serem classificados como alimentos, não é permitido que apresentem alegações de uso medicinal.
- Plantas medicinais: são vendidas secas, embaladas e identificadas pelo nome botânico em farmácias ou ervanarias. Não são consideradas medicamentos e, por isso, não podem conter bulas ou informações terapêuticas.
- Chá medicinal: É a droga vegetal com fins medicinais, destinada a ser preparada pelo consumidor por meio de infusão, decocção ou maceração em água. Esse tipo de produto deve ser notificado como medicamento fitoterápico tradicional junto à Anvisa e pode ser comercializado em farmácias ou drogarias. Por se tratar de um medicamento, é permitido que apresente alegações terapêuticas.
Classificação sanitária: suplemento ou medicamento?
A similaridade visual entre suplementos alimentares e medicamentos, especialmente por ambos serem apresentados em formas farmacêuticas, contribui para a confusão entre essas categorias. No entanto, o que os diferencia não é a forma, mas a finalidade.
Antes do marco regulatório dos suplementos, a diferenciação entre alguns medicamentos específicos isentos de prescrição e suplementos alimentares era baseada na quantidade de nutrientes oferecida em relação à Ingestão Diária Recomendada (IDR). Com a mudança na regulamentação em 2018, valores de IDR passaram a não ser mais parâmetros para definir o enquadramento legal de um suplemento.
Segundo a definição da Anvisa, suplementos alimentares são produto para ingestão oral, apresentado em formas farmacêuticas, destinado a suplementar a alimentação de indivíduos saudáveis com nutrientes, substâncias bioativas, enzimas ou probióticos, isolados ou combinados. Tratam-se, portanto, de produtos voltados a pessoas saudáveis, que não têm finalidade de tratar, prevenir ou curar doenças, mas sim de suplementar a dieta, sendo vedadas quaisquer alegações relacionadas à prevenção, tratamento ou cura de enfermidades.
Já os medicamentos são produtos elaborados com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico, destinados a tratar sintomas, corrigir deficiências, combater doenças ou auxiliar em exames clínicos. São submetidos a procedimentos técnicos rigorosos, sendo produzidos com alto nível de exigência para atender às especificações determinadas pela Anvisa.
Em nenhuma hipótese, um suplemento alimentar pode apresentar indicação de prevenção, tratamento ou cura de doenças. Esse tipo de alegação é restrita a medicamentos e precisam ser comprovadas por outros meios.
Desde a publicação do marco regulatório, são considerados medicamentos específicos somente os produtos à base de vitaminas, minerais, aminoácidos ou proteínas isoladas ou associados entre si, para uso oral, com indicações terapêuticas bem estabelecidas e distintas das alegações aprovadas para suplementos alimentares.
Classificação correta: um passo essencial
Apesar desses produtos compartilharem algumas características semelhantes, alimentos, suplementos e medicamentos possuem diferenças fundamentais, especialmente quanto à finalidade de uso/intenção de uso.
No processo regulatório, a classificação correta do produto é o ponto de partida, pois é a partir dela que se determina quais licenças sanitárias serão exigidas da empresa, quais normas se aplicam ao produto e qual o nível de rigor regulatório necessário para sua comercialização.
Realizar essa análise de forma criteriosa é essencial não apenas no início do processo, mas também para empresas que já possuem produtos no mercado. Um enquadramento incorreto pode resultar em indeferimentos, autuações e, em casos mais críticos, a retirada do produto de circulação. Por isso, entender e aplicar corretamente os conceitos regulatórios é uma etapa estratégica para a conformidade legal e a sustentabilidade do negócio.