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Isis Valle

Carne cultivada será o futuro da alimentação?

A 2nd International Conference of the Portuguese Cell Agriculture Association foi realizada nos dias 4 e 5 de outubro de 2024, no Fórum Lisboa, em Portugal. O evento reuniu especialistas para discutir os mais recentes avanços científicos e inovações no campo da agricultura celular, como carne cultivada, peixe, leite, colágeno e couro. 

As palestras principais, apresentações científicas e sessões de pôsteres destacaram o desenvolvimento dessa área, com foco tanto em Portugal quanto no cenário internacional.

Um dos objetivos do encontro foi incentivar o progresso da agricultura celular em Portugal e discutir as suas implicações para o setor de alimentos e ingredientes. Confira agora os principais destaques do evento!

O começo da carne cultivada 

Em 1930, Winston Churchill, ainda antes de ser primeiro-ministro britânico, escreveu um artigo para a Strand Magazine intitulado “Daqui cinquenta anos”, cuja publicação afirmava que, no futuro, estaríamos livre do “absurdo” de criar animais inteiros para consumir apenas partes específicas. 

Oito décadas depois, em 2013, a primeira carne cultivada foi apresentada ao público: um hambúrguer produzido em laboratório, resultado de pesquisas do professor Mark Post, da Universidade de Maastricht, na Holanda. O custo? Cerca de £215.000, o equivalente a R$ 1.541.222,00. Desde então, o setor evoluiu.

Em 2020, Singapura se tornou o primeiro país a aprovar um produto de carne cultivada para consumo humano, especificamente cubinhos de frango. Nos anos seguintes, outras aprovações também aconteceram.

No ano de 2023, a Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos deu o aval para o consumo de mais um frango cultivado. Já em 2024, Israel aprovou um bife bovino e Singapura mais uma variante de frango. Embora todas essas aprovações sejam para consumo humano, o Reino Unido inovou ao permitir o uso de carne cultivada em pet food, destinado à alimentação de animais domésticos.

Todos esses avanços foram tema central na 2nd International Conference of the Portuguese Cell Agriculture Association. O evento reuniu instituições de pesquisa e empresas da Europa, América do Norte e Brasil, e contou com a presença de patrocinadores renomados, como Merck e Thermo Fisher. Durante dois dias, o congresso contou com instituições europeias, norte-americanas e brasileiras envolvidas na pesquisa de células cultivadas como alimento. 

Desenvolvimento do setor

O cientista principal do The Good Food Institute (GFI) USA, Elliot Swartz, abriu a conferência em Lisboa e destacou que, embora os primeiros avanços e aprovações de carne cultivada tenham sido rápidos, o “o desenvolvimento do setor é uma maratona”, exigindo colaboração contínua entre cientistas, reguladores e especialistas de marketing. 

Essa visão foi compartilhada por outros participantes, como Filipa Soares, chief technology officer do Cell4Food, que observou uma redução drástica nos custos de produção nos últimos dez anos, sinalizando progresso.

Swartz acredita que, no futuro, até 20% dos aminoácidos virão de meios de cultura, enquanto Vitor Verdelho, cofundador da Cell4Food, prevê que o mercado de carnes será dividido entre produtos convencionais, análogos vegetais e carne cultivada. 

O financiamento, entretanto, continua sendo um obstáculo. Filipa relatou uma queda nos investimentos privados, apesar de um aumento em financiamentos públicos e bolsas de pesquisa.

Até 2018, mais de US$ 73,3 milhões foram investidos no setor, segundo o GFI. Recentemente, governos como o do Reino Unido e da Alemanha começaram a destinar verbas consideráveis para pesquisas e desenvolvimento de proteínas alternativas. 

O Reino Unido, por exemplo, investiu 12 milhões de libras em um hub de fabricação de agricultura celular. Já o governo alemão disponibilizou 38 milhões de euros do seu orçamento federal para iniciativas que promovam proteínas alternativas no país, incluindo carne cultivada. 

Vale destacar que o Centro de Inovação em Proteínas Alternativas da Catalunha receberá 38 milhões de euros, enquanto o Ecossistema de Agricultura Celular dos Países baixos receberá 60 milhões de euros. Além disso, a Fundação Bezos investirá 30 milhões de euros (de 100 milhões) na NC Universtity e o mesmo valor no Imperial College.

Os desafios da indústria

Apesar dos avanços, a produção de aminoácidos em escala industrial ainda é limitada, especialmente para frutos do mar, cuja demanda está crescendo mais rápido do que a de carne bovina. Esse aumento no consumo se deve à percepção de que pescados são mais saudáveis. Entretanto, a alimentação de animais aquáticos é um desafio que preocupa especialistas.

Outro ponto crítico é a viabilidade econômica do setor. As instalações de produção de carne cultivada ainda não são autossustentáveis, e os preços desses produtos não competem diretamente com as carnes convencionais. Rita Sousa, uma das sócias da Faber (Ocean/Climate Tech-Portugal), questiona como as empresas conseguirão financiar as próximas etapas, já que o campo ainda apresenta altos riscos para investidores.

Segundo o public affairs manager do GFI Europe (Espanha), Carlos Campillos Martinez, para manter o interesse dos governos e investidores privados, é necessário demonstrar que existe um mercado para esses produtos. Por isso, a regulação desempenha um papel importante nesse processo, e a falta de clareza ou apoio político pode colocar em risco o futuro do setor.

Para o professor Wijffels, que participa de um programa de aconselhamento de pesquisadores em como criar e desenvolver os seus negócios, há a possibilidade de empresas de diferentes países colaborarem entre si com os fundos europeus.

 O fornecimento de infraestrutura e fundos pelo setor privado aumenta a confiança do setor privado para investir. Portanto, os governos são fundamentais para desbloquear os investimentos que tornarão a carne cultivada uma realidade nos próximos anos.

Já Ira van Eelen, da Cellular Agriculture Netherlands (Países Baixos), aconselha a criação de uma frente de trabalho diretamente com os servidores responsáveis pelas políticas públicas, uma vez que existe uma rotatividade de políticos conforme ocorrem as eleições. Esse cenário poderia frear negociações que estejam em curso ou até mesmo encerrá-las.

Aspectos regulatórios

Estive presente na conferência como palestrante, representando a área de Inteligência Regulatória em Alimentos e como professora de programas de pós-graduação do Institui Brasileiro de Consultoria de Alimentos (IBCALI) e do IPGS Ensino Superior em Saúde.

O objetivo da minha palestra foi explicar para o público, majoritariamente acadêmico e de startups, que é fundamental pensar no aspecto documental de seus produtos e tecnologias para poder submeter uma petição para as agências reguladoras autorizarem a venda. 

O título da minha apresentação foi: “O Brasil reconheceu oficialmente as células cultivadas e tecidos como novos alimentos. O que isso significa?. No território brasileiro, a RDC 839/2023 dispõe sobre a comprovação de segurança e a autorização de uso de novos alimentos e novos ingredientes. 

Essa RDC é muito semelhante com o Regulamento 2015/2283 da União Europeia (EU), relativo a novos alimentos, e ao Regulamento (EU), que estabelece os requisitos administrativos e científicos para os pedidos referidos no artigo 10º do Regulamento (UE) 2015/2283 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a novos alimentos.

Dessa forma, foi possível mostrar ao mesmo tempo os requisitos para regularização de novos alimentos e novos ingredientes em território brasileiro e europeu. Principalmente, considerando que o Brasil possui um assunto de petição simplificado por admissibilidade de análise realizada por Autoridade Reguladora Estrangeira Equivalente.

Uma das estratégias sugeridas por Helder Cruz, da Meatly, chief scientific officer, da Meatly, que conseguiu a aprovação no Reino Unido da carne de frango para alimentação animal, é que as empresas comecem pedindo a aprovação de carne cultivada para alimentação animal, um processo menos rigoroso e mais rápido do que o pedido para consumo humano. 

Essa abordagem pode abrir portas para o setor de carne cultivada, tornando-o uma realidade comercial nos próximos anos. 

Mas, afinal, o que é carne cultivada?

A carne cultivada é produzida a partir de genuínas células animais com coleta de células, proliferação em biorreatores, diferenciação celular em miofibras, adipócitos ou outros tipos celulares, e estruturação em suportes (scaffolds). 

Essa produção elimina a necessidade de abate de animais. Porém, por ser uma tecnologia nova, esses produtos precisam passar por rigorosas aprovações regulatórias para serem considerados seguros para o consumo humano.

A aprovação desses produtos ocorre sob a categoria de “novos alimentos”, de maneira geral, pois são alimentos/ingredientes que não têm um histórico de consumo seguro na alimentação tradicional da população de um país ou bloco econômico.

 Portanto, é preciso demonstrar que esses produtos são seguros para consumo a longo prazo. Para liberar sua comercialização, as autoridades reguladoras exigem evidências de que esses alimentos não apresentam riscos à saúde em longo prazo.

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