Regularizar uma empresa envolve diversas etapas para adequação leis, normas e procedimentos, especialmente para quem é do setor regulado e encara pela primeira vez o universo das normas e exigências sanitárias.
Não é à toa que a regularização de empresas ainda assusta: além de enfrentar regras municipais, estaduais e federais, é preciso lidar com prazos, passar por inspeções, atender uma série de exigências e entender termos técnicos que antes eram desconhecidos, que muitas vezes intimidam e criam uma sensação de que a regulamentação é um obstáculo impossível de superar.
De fato, o caminho regulatório nem sempre é simples, mas com o conhecimento técnico adequado, é possível enfrentar esse processo com mais segurança e clareza.
A intenção desta matéria é esclarecer alguns termos técnicos e apresentar um panorama geral dos principais passos para regularizar uma empresa da área de alimentos junto aos órgãos sanitários, com enfoque nos processos de vigilância sanitária e à ANVISA.
Glossário regulatório
Antes de tratarmos do processo em si, é importante esclarecer alguns conceitos essenciais. Muitos dos termos usados no universo regulatório podem parecer complicados, mas fazem parte do dia a dia de estabelecimentos de diferentes portes. Confira alguns exemplos:
- Setor regulado: É a parcela do setor produtivo (indústria, comércio e serviços) sujeito ao controle de algum órgão regulatório. No caso da VISA, o setor regulado engloba indústrias, comércios e serviços sujeitos ao controle sanitário.
- Vigilância sanitária: Conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde.
- Licença sanitária ou alvará sanitário: Documento obrigatório para iniciar qualquer atividade sujeita à vigilância sanitária. Emitida pela autoridade sanitária local (municipal ou estadual).
- Boas Práticas de Fabricação (BPF): Conjunto de normas que garantem que o produto seja fabricado em condições adequadas de higiene e segurança. Mesmo quando o certificado de BPF não é exigido, seguir essas práticas é indispensável.
- Laudo Técnico de Avaliação (LTA): documento que expressa decisão do órgão de vigilância sanitária competente sobre a avaliação do projeto de edificação e suas condições para abrigar atividades de interesse sanitário. Esse laudo pode ser necessário antes da licença sanitária, dependendo da atividade da empresa e da legislação municipal.
- Responsável Técnico (RT): profissional devidamente habilitado em seu conselho regional, designado para assumir a responsabilidade técnica de uma atividade de interesse da saúde.
- Assunção de Responsável Técnico: É o processo administrativo que formaliza a designação de um RT para responder tecnicamente pelo estabelecimento perante os conselhos regionais e órgãos sanitários.
- Registro de alimentos: Exigido para categorias específicas, e é um processo administrativo no qual a Anvisa avalia se o produto atende aos requisitos técnicos e regulatórios antes de sua comercialização.
- Notificação de alimentos: Termo utilizado pela ANVISA para a regularização de alimentos e embalagens isentos de registro. A notificação dispensa análise prévia, mas a Agência realiza auditorias periódicas para verificar a conformidade dos produtos.
- Comunicado de início de importação ou fabricação: É um processo administrativo que deve ser realizado junto a Vigilância Sanitária para regularização de alimentos e embalagens isentos de registro e notificação na ANVISA.
- Poder de polícia: Poder dado ao Estado para limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público. No âmbito da vigilância sanitária, a VISA pode aplicar sanções administrativas, como multas, interdição de atividades, fechamento de estabelecimentos e inutilização de produtos, contra aqueles que desrespeitam as normas sanitárias. Em alguns casos, essas infrações podem gerar também penalidades civis e criminais.
Por onde começar: os principais passos do processo regulatório
Para que uma empresa opere de forma segura e esteja em conformidade com a legislação, é essencial seguir algumas etapas fundamentais durante o processo de regularização. Embora os requisitos possam variar conforme a atividade econômica, existe uma estrutura básica que deve ser seguida em todos os casos:
- Verifique se o produto atende aos padrões nacionais: Consulte os regulamentos técnicos daquele produto para verificar se ele atende aos padrões de identidade e qualidade estabelecidos.
- Identifique a Autoridade competente: Essa etapa é crucial para saber se o produto e a atividade serão regularizados perante ao MAPA ou Vigilância Sanitária/ ANVISA
- Ajuste a atividade econômica: Após identificar o órgão competente, é necessário ajustar o contrato social conforme a atividade econômica que será exercida.
- Assunção de Responsável Técnico: Se aplicável, a empresa deverá contratar um Responsável Técnico (RT) e formalizar o processo para que ele assuma a responsabilidade pelo estabelecimento.
- Adequação às Normas Técnicas: Realize os ajustes operacionais e estruturais necessários para que o estabelecimento atenda às normas técnicas e às exigências das Boas Práticas.
- Gestão de Qualidade: Elabore a documentação de qualidade de acordo com a realidade do negócio, sempre considerando as normas sanitárias. Lembre-se que os procedimentos devem ser utilizados na prática, portanto, documente todo o processo, audite, controle e faça ajustes quando necessário.
- Obtenção da Licença: Quando todas as etapas anteriores forem concluídas, é o momento de requerer a licença, pois toda empresa que fabrique, armazene, distribua ou comercialize alimentos deve estar devidamente licenciada junto à vigilância sanitária local ou perante ao MAPA, dependendo da categoria do seu produto.
- Regularização do produto: Após a aprovação da licença, o próximo passo é adequar o produto junto ao órgão competente. Para isso, é importante verificar sua classificação e realizar o protocolo com a documentação necessária.
Por que investir na regularização?
A regulamentação existe para garantir que produtos e serviços oferecidos à sociedade atendam padrões mínimos de segurança e qualidade. É ela que protege o consumidor final e evita riscos à saúde pública. Para as empresas, estar regularizado significa operar de forma legal, minimizar riscos de sanções e reforçar sua credibilidade no mercado.
Com conhecimento técnico e um planejamento adequado, o caminho regulatório deixa de ser um obstáculo e se torna um aliado no fortalecimento da marca e na construção de confiança junto aos clientes.
A importância da regularização prática
Um exemplo claro de como a falta de atenção às normas pode gerar sérias consequências é o caso recente envolvendo a marca de suplementos Soldiers. A empresa terceirizou a fabricação de creatina para um fornecedor que, além de não possuir licença sanitária, apresentava condições higiênico-sanitárias inadequadas para a produção de suplementos alimentares.
Durante uma inspeção da Vigilância Sanitária, foi constatado que o local não atendia aos padrões mínimos exigidos para operar no setor regulado. Além disso, a Soldiers falhou em um ponto crucial: a qualificação do fornecedor e a auditoria das instalações antes de firmar a parceria. O resultado foi a interdição do terceirista, uma repercussão negativa significativa para a marca e potenciais riscos à saúde dos consumidores.
O caso ilustra como os procedimentos não podem ficar apenas no papel. Contratar um fornecedor sem garantir que ele atenda aos requisitos legais e técnicos é um erro que compromete não só a qualidade do produto, mas a reputação e a viabilidade da empresa.
Esse cenário não é isolado. Um estudo realizado pela Vigilância Sanitária de Minas Gerais, em 2020, revelou que as irregularidades mais comuns em estabelecimentos sujeitos a controle sanitário estavam relacionadas à documentação e à garantia de qualidade, representando 66,09% dos casos. Problemas como ausência ou vencimento de alvarás sanitários, falta de manuais de normas e rotinas e a inexistência de procedimentos operacionais são exemplos das não conformidades verificadas nessa categoria.
O segundo ponto mais crítico identificado foi a inadequação da estrutura física dos estabelecimentos, seguida pela falta de organização e higiene.
A licença sanitária é apenas o ponto de partida para a regularização, mas o estudo reforça que a gestão da qualidade deve ir além de um conjunto de documentos, ela precisa estar ser integrada às práticas diárias do estabelecimento. Regularizar a empresa não é um evento pontual, mas um processo contínuo. Após a obtenção da licença inicial, é essencial manter o controle dos processos e da documentação, evitando assim penalidades e interrupções nas atividades.
Artigo Citado
Principais irregularidades em estabelecimentos sujeitos a controle sanitário. (2020). Vigilância Sanitária Em Debate, v. 8, n. 4, p. 101–107, 2020. Disponível em: https://visaemdebate.incqs.fiocruz.br/index.php/visaemdebate/article/view/1518