Rafael França Neves
Senior Regulatory Affairs Associate
Nos últimos anos, o cenário regulatório brasileiro no setor de alimentos passou por transformações significativas, impulsionadas pelos avanços tecnológicos, demandas dos consumidores e melhores práticas governamentais. Essas mudanças têm sido especialmente perceptíveis no campo das práticas de confiança internacional, conhecidas mundialmente como reliance.
Por isso, na coluna de hoje, vamos explorar o processo de globalização e seu impacto na regulamentação do mercado. Veremos exemplos de práticas colaborativas internacionais e nos aprofundaremos na intervenção regulatória realizada do Brasil. Vamos focar especificamente nos avanços e tendências no setor de alimentos, entendendo um pouco do escopo de aplicação, admissibilidade de autoridades estrangeiras, bem como os desafios e oportunidades associados.
I. Globalização e Regulação do Mercado
A globalização e o avanço tecnológico têm desafiado autoridades reguladoras em todo o mundo. Apesar dos avanços consideráveis na harmonização internacional, o tempo médio necessário para aprovações ainda é lento, em descompasso com inovação, prejudicando o acesso a produtos seguros e eficazes.
Nesse contexto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a implementação de práticas colaborativas e de confiança entre autoridades para otimizar os recursos disponíveis, evitar a duplicação de esforços e direcionar recursos regulatórios para onde são mais essenciais na sociedade.
II. Práticas Colaborativas Internacionais
Essas abordagens podem ser utilizadas em diversos processos regulatórios e intervenções em saúde, como inspeções, registro e monitoramento pós-mercado.
A U.S Food and Drug Administration (FDA) e European Medicines Agency (EMA), por exemplo, colaboram na avaliação de registro de produtos farmacêuticos. A nível europeu, a EMA também utiliza práticas colaborativas para registrar e autorizar medicamentos em vários países por meio de procedimentos descentralizados ou processos de reconhecimento mútuo.
Em relação às inspeções sanitárias, a EMA tem acordos com outras sete autoridades reguladoras na Austrália, Suíça, Israel, EUA, Japão, Nova Zelândia e Canadá, que estabelecem o reconhecimento mútuo das avaliações de conformidade realizadas por essas autoridades para produtos farmacêuticos destinados ao uso humano e veterinário.
Há também uma tendência para o estabelecimento de práticas de colaboração multilateral neste campo. O Pharmaceutical Inspection Co-operation Scheme (PIC/S), por exemplo, estabelece acordos de reconhecimento mútuo para os certificados de Boas Práticas de Fabricação (BPF) entre os seus membros, promovendo o reforço das capacidades e a convergência regulatória internacional.
III. Intervenção regulatória no Brasil
No Brasil, estratégias colaborativas e de confiança têm sido adotadas para implementar práticas internacionais de referência, resultando em uma aproximação com agências reguladoras estrangeiras.
A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 741, de agosto de 2022, foi um marco significativo nesse contexto, estabelecendo diretrizes concretas para a aceitação de análises realizadas por AREEs nos processos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Desde então, desdobramentos dessa resolução têm sido implementados para estabelecer processos e condições específicas de aproveitamento em diversas categorias de produtos regulados, como dispositivos médicos e, mais recentemente, na área de alimentos.
IV. Convergência Regulatória em Alimentos: Avanços e Tendências
Práticas de confiança internacional já fazem parte da regulamentação de alimentos no Brasil há muito tempo, entretanto, até então, muito restritas a atributos específicos de produtos e ingredientes.
Somente em novembro de 2023, esse cenário começou a mudar com a publicação de uma consulta pública propondo a ampliação as condições para procedimentos otimizados de avaliação de petições no setor de alimentos. O prazo para contribuições se encerrou em março e a previsão é que o processo seja concluído até o final de 2024.
V. Âmbito de admissibilidade das AREEs
A proposta aplica-se a várias avaliações pré-mercado, como para inclusão e extensão de aditivos alimentares, novas substâncias ou tecnologias aplicadas a materiais em contacto com os alimentos, avaliações de segurança e eficácia de alegações funcionais ou de saúde de novos alimentos e ingredientes, incluindo probióticos e enzimas e risco de produtos veterinários.
A lista inicial de AREEs incluiu, para cada categoria mencionada, o reconhecimento de entidades proeminentes como a U.S Food and Drug Administration (FDA), o Codex Alimentarius, o Joint FAO/WHO Expert Committee on Food Additives (JECFA), a European Food Safety Authority (EFSA), German Institute for Risk Assessment (BfR) e a European Medicines Agency (EMA).
O setor regulado ainda demonstrou interesse em ampliar o escopo da resolução para outras categorias sujeitas a avaliação, bem como incluir o reconhecimento de autoridades como a Health Canada, Food Standards Australia New Zealand (FSANZ) e outras autoridades regulatórias latino-americanas, o que ainda pode ser considerado até a conclusão do processo.
VI. Critérios e Requisitos
A documentação fornecida pelas AREEs deve atender a critérios específicos de admissão e pode ser utilizada como referência única ou complementar. É fundamental destacar que a Anvisa mantém autonomia nacional nos processos decisórios, podendo tomar decisões diferentes das da AREE e requerer uma avaliação completa dos dados, se considerar necessário.
VII. Oportunidades e Desafios
Essa medida representa uma excelente oportunidade comercial, capaz de acelerar o processamento dos pedidos de avaliação, promover um maior alinhamento internacional e reduzir custos administrativos associados. No entanto, permanece crucial deter expertise necessária para avaliar a elegibilidade dos documentos, destacando a importância de parcerias estratégicas, especialmente com experiência internacional na Europa e Brasil.
VIII. Disclaimer
Isso conclui o texto de hoje! Esperamos que estas informações tenham despertado seu interesse sobre os avanços nas práticas de confiança regulatória em alimentos no Brasil.
Este texto é uma adaptação do episódio número 34 (https://open.spotify.com/episode/205A0RD9VlkRTP18pNUa4i?si=f636d8e496d44434) do International Pharma Talks, Podcast desenvolvido pelo ELS Solutions Group.
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Fique atento aos próximos episódios, onde continuaremos a explorar as últimas tendências do setor e tudo o que você precisa saber sobre o International Pharma & Healthcare Business.
“Este podcast foi elaborado a partir de diferentes fontes bibliográficas. A opinião e os comentários veiculados são baseados referências listadas E em experiências corporativas anteriores dos membros do ELS Solutions Group.”