Como o tarifaço do governo Trump afeta o varejo alimentar

Desde agosto de 2025, o tarifaço do governo Trump — que impôs sobretaxa de 50% sobre centenas de produtos exportados para os Estados Unidos — vem provocando impactos diretos na economia brasileira, especialmente no agronegócio e no varejo alimentar. A medida já se reflete nas prateleiras de supermercados, com oscilações de preços e ajustes de portfólio.
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Entre os produtos mais afetados estão carnes, frutas, café, madeira, têxteis, calçados e bebidas. Com a redução nas exportações, parte da produção foi redirecionada ao mercado interno, elevando a oferta e tornando os preços mais voláteis. “Itens perecíveis, como frutas e carnes, tendem a cair de preço no curto prazo devido ao excesso de oferta. É um alívio momentâneo para o varejo, mas ruim para exportadores e desestabilizador para toda a cadeia”, explica Eduardo Menicucci, professor da Fundação Dom Cabral (FDC).
Segundo Felipe Queiroz, economista-chefe da APAS (Associação Paulista de Supermercados), os setores mais prejudicados foram os que não possuem hegemonia de mercado ou enfrentam concorrência direta com os Estados Unidos. “Mais de 700 itens ficaram de fora do tarifaço, mas carnes, café e açúcar foram diretamente atingidos”, diz.
Queiroz observa ainda que o aumento das tarifas tende a afetar mais o consumidor americano do que o brasileiro, já que o Brasil não adotou medidas de reciprocidade. “No curto prazo, há um efeito deflacionário interno, porque a realocação da oferta é lenta”, afirma.
Dólar em alta e consumidor confuso
A valorização de mais de 12% do dólar desde maio elevou os custos logísticos, de embalagens e combustíveis — além de impactar softwares de gestão. De acordo com Ahmed El Khatib, professor da Fecap, o setor supermercadista sente reflexos amplos. “Produtos importados de alto giro, como vinhos, queijos e azeites, já encareceram. Há também aumentos indiretos em grãos e carnes, por conta dos fertilizantes e rações”, comenta.
Dados do setor apontam reajustes de 8% a 15% em bebidas importadas, eletrônicos e alimentos processados com insumos externos, e até 20% em eletrodomésticos. “O consumidor se confunde com as variações de preço e muitas vezes culpa o supermercado”, observa Menicucci.
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Estoques sob controle, margens sob risco
Para Queiroz, da APAS, o cenário exige estratégia e atenção constante ao câmbio e ao mercado internacional. “É essencial adotar uma gestão de estoques conservadora, sem assumir que o excesso de oferta vai se manter”, reforça Menicucci, da FDC.
Ahmed El Khatib complementa que redes menores são as mais vulneráveis, pois têm menos poder de negociação e dificuldade para ajustar seus portfólios. Além disso, os custos operacionais — refrigeração, transporte e sistemas de controle — estão mais altos, pressionando as margens.
Caminhos para reação e inovação
Entre as principais respostas estratégicas estão a diversificação de fornecedores, o fortalecimento de marcas próprias e a valorização de produtores locais. “O varejo precisa equilibrar o portfólio entre itens básicos e premium, privilegiando os menos voláteis”, recomenda Ahmed.
A tecnologia também ganha importância. Soluções de monitoramento em tempo real, estoques preditivos e contratos flexíveis ajudam a evitar rupturas e perdas. Já na comunicação, a transparência com o consumidor é fundamental. “Explicar os reajustes e valorizar o apoio ao produtor nacional são ações que fortalecem a confiança”, aponta o especialista.
Apesar da incerteza, o cenário abre espaço para inovação comercial. “Mudanças radicais devem ser evitadas, mas há oportunidades em eficiência e relacionamento com o cliente”, observa Menicucci.
Perspectivas econômicas
Nos Estados Unidos, o tarifaço já contribui para pressões inflacionárias. No Brasil, o movimento inverso tende a ocorrer, mas com efeitos sobre o câmbio e os juros. “A valorização do dólar impacta fluxos de capitais e taxas de juros globais. O tarifaço do governo Trump tem impacto direto e real em diversas cadeias produtivas”, conclui Queiroz.
Fonte: Super Varejo
Foto de Charles Gao na Unsplash