COVID-19 e a percepção do paladar e olfato na terceira idade: quais seriam os principais impactos?
Perdas nas sensibilidades ao paladar (ageusia) e olfato (anosmia) têm sido listadas entre os seis principais sintomas da COVID-19 e ainda há relatos de outras perdas de sensações somáticas, como calor (Parma et al., 2020).
Avaliações clínicas publicadas em um estudo de revisão em 2020 relataram que, dos 1457 pacientes entrevistados, 56,4% e 60,7% apresentaram perdas no paladar e olfato, respectivamente (KLIGER et al., 2020).
Idosos se encontram entre os grupos de maior risco para COVID-19. Além desse problema, já é recorrente que perdas somatossensoriais e também de intensidade de produção de saliva ocorram nesse grupo populacional e, no caso da contaminação pelo vírus, este quadro pode se agravar ainda mais e prejudicar diretamente o estado nutricional que, por consequência, afeta a imunidade e leva ao agravamento da doença (NIA, 2021).
Há hipóteses de que as perdas de paladar e olfato, após a contaminação pelo vírus SARS-CoV-2, possam ocorrer por:
- Danos diretos ao sistema neural;
- Excesso de produção de células imunológicas (que podem afetar também os receptores celulares para os sentidos químicos);
- Ligação do vírus à enzima conversora de angiotensina-2 humana (h-ACE-2), que funciona como proteína receptora e faz com que o vírus se hospede nas células humanas, principalmente por endocitose;
- Pelo uso da protease transmembrana, serina 2 (TMPRSS2), que pode ser responsável por espalhar a doença (KANJANAUMPORN et al., 2020).
Independente de qual seja o mecanismo relacionado às perdas sensoriais dos idosos, o fato é preocupante por afetar diretamente a qualidade de vida, e já levou pesquisadores a investigarem quais seriam as melhores alternativas de reverter ou melhorar este quadro.
A sensibilidade frente ao paladar e sua relação com o estado nutricional, gênero e avanço da idade foi o principal objeto de um estudo conduzido na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein. Os pesquisadores utilizaram diferentes soluções que representam os gostos básicos: sacarose (doce), cloreto de sódio (salgado), ácido cítrico (azedo), cafeína (amargo) e glutamato monossódico (umami). As soluções foram preparadas em cinco diferentes concentrações para se determinar os limites de detecção sensorial (threshold) de pacientes entre 60 e 97 anos, que frequentavam o ambulatório do hospital. Os resultados mostraram que todo o grupo de estudo conseguiu detectar os gostos básicos, mas uma grande parte (86%), conseguiu detectar o gosto umami, seguidos do gosto salgado (50%), azedo (45,7%), amargo (43,2) e doce (38,2), quando oferecidos na primeira vez (GRINBERG et al., 2020). Este fato é interessante, pois o gosto umami, independente da fonte, ou seja, naturalmente presente em alimentos ou na forma do aditivo alimentar glutamato monossódico, têm auxiliado na redução de sódio em preparações e também na recuperação da percepção do sabor global dos alimentos em pacientes idosos hospitalizados, já que o mesmo estimula também a produção de saliva, que umidifica a boca e dilui aromas, facilitando também o processo de mastigação (MALULY et al., 2017; DERMIKI et al., 2013; SASANO et al., 2010).
Já as investigações realizadas com o sentido do olfato são inúmeras e a principal recomendação para sua recuperação após infecções causadas por vírus ou outros fatores é o que se chama de smell training (treinamento olfativo). Para pacientes infectados pelo novo coronavírus, a regeneração do olfato ocorreu entre 44-74%, sendo que desses, aproximadamente 72% se recuperaram em até 8 dias. No entanto, considera-se que esses resultados ainda são precoces e há necessidade de maiores pesquisas para se avaliar realmente o prognóstico e os mecanismos de alteração deste sentido (KANJANAUMPORN et al., 2020).
Dentro deste contexto, sugere-se que a melhor maneira de se tentar uma recuperação ou uma melhora do paladar e do olfato após a infecção pelo SARS-CoV-2, ou mesmo para outras causas de perdas sensoriais, como o avanço da idade, é a expansão do contato com os cinco gostos básicos, com diferentes aromas e outras sensações, como o tato, que podem ser apresentadas através de diferentes alimentos. Assim, a exposição aos sentidos pode fazer com que nossas percepções estejam mais abertas para a diversidade de sabores encontrados em preparações culinárias de todo o mundo, e que possamos seguir nosso caminho com mais prazer.
COSTA, K.V.T., CARNAÚBA, A.T.L.; ROCHA, K.W.; ANDRADE, K.C.L.; FERREIRA, S.M.S.; MENEZES, P.L. Olfactory and taste disorders in COVID-19: a systematic review. Braz J Otorhinol. 2020, 86 (6): 781-792.DERMIKI, M.; MOUNAYAR, R.; SUWANKANIT, C.; SCOTT, J. KENNEDY, O.B.; MOTTRAM, D.S.; GOSNEY, M.A.; BLUMENTHAL, H.; METHVEN, I. Maximising umami taste in meat using natural ingredients: effects on chemistry, sensory perception and hedonic liking in young and old consumers. J Sci Food Agric.2013, 93(13):3312-21.KANJANAUMPORN, J; AEUMJATURAPAT, S.; SNIDVONGS, K.; SERESIRIKACHORN, K.; CHUSAKUL, S. Smell and taste dysfunction in patients with SARS-CoV-2 infection: A review of epidemiology, pathogenesis, prognosis, and treatment options. Asian Pac J Allergy Immunol. 2020, 38(2):69-77.MALULY, H.D.B.; ARISSETO-BRAGOTTO, A.P.; REYES, F.G.R. Monosodium glutamate as a tool to reduce sodium in foodstuffs: Technological and safety aspects Food Sci Nutr. 2017, 5(6):1039-1048.NIA – National Institute on Aging (2021). How Smell and Taste Change as You Age. Disponível em: https://www.nia.nih.gov/health/smell-and-taste. Acesso em 14/01/2021.PARMA, V. et al. More Than Smell-COVID-19 Is Associated with Severe Impairment of Smell, Taste, and Chemesthesis. Chem Senses 2020, 9;45(7):609-622.SASANO, T.; SATOH-KURIWADA, S.; SHOJI, N.; SEKINE-HAYAKAWA, Y.; KAWAI, M. UNEYAMA, H. Application of umami taste stimulation to remedy hypogeusia based on reflex salivation. Biol Pharm Bull. 2010; 33(11):1791-5.