Mayra Cirilo

Embalagens, sustentabilidade e o papel da ANVISA

Mayra Cirilo

Fundadora da BAUHÍ Assessoria Regulatória

Processos de habilitação frente aos Órgãos Reguladores – ANVISA, Vigilância Sanitária e MAPA

Não é de hoje que a sustentabilidade ganhou protagonismo nas discussões políticas, socias e econômicas. Ondas de calor, catástrofes climáticas e a escassez de recursos naturais têm exposto, literalmente na pele, os impactos das nossas escolhas de consumo e produção.

No cenário regulatório de alimentos, as embalagens ocupam um lugar de destaque. Embora estejam presentes em praticamente todos os setores, neste segmento são especialmente relevantes, já que, diante do estilo de vida atual, o consumo de alimentos embalados tornou-se parte da rotina de grande parte da população.

Além da crescente preocupação dos consumidores com produtos que demonstrem responsabilidade ambiental, há também normas específicas que as empresas precisam observar. Um exemplo é a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que estabelece responsabilidades relacionadas à logística reversa e ao ciclo de vida das embalagens.

Com isso, além de atender às exigências legais ligadas à logística reversa, as indústrias têm buscado investir em tecnologias de reciclagem, para responder à demanda de uma sociedade cada vez mais atenta à responsabilidade ambiental das marcas que consomem.

Mas, e o papel da Anvisa nesse cenário?

Ainda que o debate sobre sustentabilidade muitas vezes pareça distante do universo regulatório, a atuação da Anvisa é central quando falamos em embalagens para alimentos. Isso porque os materiais que entram em contato direto com alimentos são regulamentados pela Agência, já que podem transferir algumas substâncias indesejáveis para o produto que coloquem em risco a saúde do consumidor.

O item 3.1 da RDC nº 91/2001 estabelece que: “as embalagens e equipamentos que estejam em contato direto com alimentos devem ser fabricados em conformidade com as boas práticas de fabricação para que, nas condições normais ou previsíveis de emprego, não produzam migração para os alimentos de componentes indesejáveis, tóxicos ou contaminantes em quantidades tais que superem os limites máximos estabelecidos de migração total ou específica, tais que: a) possam representar um risco para a saúde humana; b) ocasionem uma modificação inaceitável na composição dos alimentos ou nas características sensoriais dos mesmos”

Esse controle também se aplica ao uso de materiais reciclados. Seu uso em embalagens destinadas ao contato com alimentos é permitido, mas depende do tipo de material e do atendimento à regulamentos específicos, conforme descrito na tabela abaixo:

Material de embalagemPermitido material reciclado?Legislação
CelulósicoSimItem 1.2 do Anexo da RDC 88/2016
ElastoméricoNãoItem 3.10 da Resolução 123/01
MetálicoSimItem 3.1.11 da Resolução RDC 854/2024
PlásticoApenas PET-PCRItem 9 Resolução 105/99 Portaria SVS/MS 987/1998 Resolução RDC 20/08
Vidro e cerâmicaSimItem 4.8 da Portaria 27/96

Tabela 1: Permissão de uso de materiais de embalagem reciclados para entrar em contato com alimento, com regulamentações pertinentes. (fonte: Perguntas e Respostas: Materiais em contato com alimentos – 6ª edição)

Entre os materiais reciclados utilizados em embalagens para alimentos, o polietilenotereftalato pós-consumo reciclado (PET-PCR) grau alimentício tem se tornado cada vez mais relevante, especialmente após a recente atualização normativa. No entanto, ele não é o único nesse cenário de reprocessamento. Materiais como vidro, aço e alumínio também são amplamente reciclados para essa finalidade, com uma vantagem: esses materiais passam por processos de fusão a altas temperaturas (acima de 500 °C), o que garante a degradação de substâncias orgânicas potencialmente contaminantes, reduzindo riscos à saúde.

Já os materiais plásticos, embora amplamente utilizados, apresentam um desafio adicional. Diferentemente do vidro e do metal, os polímeros podem adsorver contaminantes durante o uso e descarte, ou formar substâncias indesejadas por degradação. Isso significa que, sem controle adequado, plásticos reciclados podem liberar compostos nocivos nos alimentos, sendo um risco que exige atenção regulatória e tecnológica.

É justamente nesse ponto que entram os requisitos regulatórios para embalagens PET-PCR grau alimentício. Por definição, são aquelas obtidas de proporções variáveis de resina de PET virgem de resina PET-PCR grau alimentício. Elas são destinadas ao contato direto com alimentos e podem ser fabricadas a partir de artigos precursores como filmes, lâminas ou pré-formas.

Já a resina PET-PCR grau alimentício é obtida a partir do descarte industrial, reciclagem ou pós-consumo de PET originalmente aprovado para uso alimentar, que tenha passado por um processo validado de descontaminação com alta eficiência. Essa descontaminação pode ocorrer por meio de tecnologias de reciclagem física e/ou química que removem contaminantes a níveis seguros, sem comprometer a segurança do alimento ou suas características sensoriais.

Quando utilizamos o termo grau alimentício refere-se à adequação sanitária dos materiais plásticos — sejam virgens ou reciclados — conforme os critérios estabelecidos pelo Mercosul. No caso de reciclados, essa adequação exige, adicionalmente, a validação da tecnologia de descontaminação empregada.

Contudo, em 2024 essas embalagens plásticas mais sustentáveis passaram por uma importante atualização regulatória. Com a publicação da Resolução RDC nº 843/2024 e da Instrução Normativa nº 281/2024, a Anvisa deixou de exigir o registro prévio dessas tecnologias. Agora, tanto a resina PET-PCR grau alimentício, o artigo precursor ou embalagem final obtidas a partir de resina PET-PCR grau alimentício estão sujeitos a notificação junto à Agência.

Contudo, quando a embalagens finais de PET-PCR grau alimentício forem elaboradas a partir de artigo precursor já notificado, elas estarão sujeitas somente a comunicação de início de fabricação ou importação junto à autoridade sanitária local.

Essa mudança representa um avanço importante no incentivo à circularidade dos materiais pois traz maior celeridade, sem abrir mão da segurança sanitária. A decisão da Anvisa leva em conta que esses processos apresentam um risco sanitário intermediário, principalmente em razão da necessidade de controle sobre a etapa de descontaminação. E é justamente por isso, que o laudo de migração e a validação da descontaminação do processo devem integrar a documentação apresentada à autoridade reguladora no momento da notificação.

A medida da Anvisa não apenas contribui com a desburocratização do setor, como também reforça o papel do órgão regulador no compromisso com práticas mais sustentáveis, demonstrando que saúde pública e responsabilidade ambiental podem (e devem) caminhar juntas.

Referências:

KIYATAKA, Paulo H. M.; PADULA, Marisa. Requisitos para notificação na Anvisa de resina de PET-PCR Grau Alimentício e embalagens de PET-PCR Grau Alimentício. Informativo Cetea – Boletim de Tecnologia e Desenvolvimento de Embalagens, Campinas: Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL), v. 36, n. 2, p. 1–4, abr./maio/jun. 2024.

BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Perguntas e respostas: Materiais em contato com alimentos. Brasília: ANVISA, 2024.

BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Informe Técnico nº 71, de 11 de fevereiro de 2016. Uso de PET reciclado em embalagens e outros materiais destinados ao contato com alimentos. Brasília: ANVISA, 2016.

BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Relatório de Análise de Impacto Regulatório sobre procedimentos para regularização de alimentos e embalagens. Brasília: ANVISA, 2022.

RASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 843, de 22 de fevereiro de 2024. Dispõe sobre a regularização de alimentos e embalagens sob competência do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) destinados à oferta no território nacional. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 23 fev. 2024. BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Instrução Normativa IN nº 281, de 22 de fevereiro de 2024. Estabelece a forma de regularização das diferentes categorias de alimentos e embalagens, e a respectiva documentação que deve ser apresentada. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 23 fev. 2024.

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