Após a publicação da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 843/2024 e da Instrução Normativa (IN) nº 281/2024, que entraram em vigor em 1º de setembro de 2024, muitas empresas do setor de suplementos alimentares se surpreenderam com a exigência da ANVISA de apresentar relatório de estudos de estabilidade no ato da notificação.
Embora essa obrigatoriedade pareça novidade, a RDC nº 243/2018, já estabelecia em seu Art. 10º, § 1º, que a manutenção das características dos suplementos deve ser garantida por meio de estudos de estabilidade e controles de qualidade.
Esses estudos são fundamentais para determinar o período em que um produto permanece seguro, estável e adequado para consumo, sem comprometer sua integridade, dentro das condições recomendadas de armazenamento. Além disso, eles possibilitam que as empresas definam o prazo de validade, assegurando que, durante esse período, o produto mantenha suas características sensoriais, químicas, físicas, microbiológicas e garantindo também a conformidade com as informações declaradas no rótulo, como os dados nutricionais.
Para orientar a cadeia produtiva de alimentos a Anvisa oferece diretrizes sobre procedimentos, rotinas e métodos considerados adequados para condução dos estudos de estabilidade, servindo de referência à aplicação dos requisitos previstos em legislação. Este ano a Agência publicou a segunda versão do Guia 16/2018 que traz orientações que buscam auxiliar a determinação do prazo de validade dos alimentos. Essa revisão foi especialmente relevante para o setor de suplementos alimentares, trazendo referências e exemplos voltados para a área.
No contexto dessas atualizações, o BHB Festival deste ano, promoveu palestras importantes, como a da Ana Augusta Lemos, consultora técnica da A3Analítica, que compartilhou insights valiosos sobre estabilidade em suplementos alimentares. Alguns pontos serão explorados ao longo deste artigo.
Fatores a considerar antes de iniciar os estudos
Diversos fatores precisam ser avaliados antes de conduzir um estudo de estabilidade, um aspecto bem importante são as condições de temperatura e umidade às quais as amostras testadas são submetidas, devendo ser considerado a zona climática de destino.
Para estudos de longa duração no Brasil, aplica-se a Zona Climática IVB (quente e muito úmida), com condições padronizadas de 30°C ± 2°C e 75% UR ± 5% UR. Esse detalhe é crucial para produtos importados, cujos análises, muitas vezes, são realizados em condições diferentes. Nessas situações, nem sempre é possível justificar a validade em outra zona climática, sendo necessário conduzir novos testes para adequação.
Para os suplementos, a ANVISA abordou uma lista de parâmetros que podem ser considerados para cada forma física. Essa lista, descrita no item 8.4 da versão 2 do Guia, não é exaustiva, e a seleção dos parâmetros dependerá do tipo de estudo e das características específicas do produto. Nem todos os parâmetros são aplicáveis a todos os casos, o que exige um planejamento cuidadoso.
Para alcançar bons resultados, é muito importante também que a empresa esteja com os processos de qualidade muito bem implementados. Além disso, é indispensável conhecer detalhadamente as formulações, realizando pesquisas bibliográficas sobre os ingredientes, avaliando possíveis incompatibilidades e escolhendo adequadamente a embalagem primária, considerando a composição do produto e as interações entre os ingredientes.
São classificados como fatores intrínsecos os dizem respeito às características do próprio alimento ou suplemento, enquanto os extrínsecos estão ligados ao ambiente ou ao tipo de processamento. A combinação desses fatores determina se o produto se tornará mais ou menos suscetível alterações ao longo da cadeia produtiva, ou seja, desde a fabricação até o consumo.
Sendo assim, compreender a influência de cada aspecto permite estimar os impactos na estabilidade e implementar medidas para que prolonguem a validade.
Mas quais são os métodos para determinar o prazo de validade?
De acordo com o guia, os métodos para estudo de estabilidade são divididos em duas categorias:
1. Métodos Diretos:
Esses métodos são mais demorados, porém, oferecem maior precisão, pois utilizam condições armazenamento realistas, fornecendo informações mais confiáveis sobre a estabilidade, sendo eles:
Estudos de Estabilidade de Longa Duração (Estudos em Tempo Real): Os produtos são submetidos às mesmas condições ambientais, como temperatura e umidade, que os lotes comerciais, garantindo maior segurança nos resultados.
Estudos de Desafio: Avaliam o crescimento de micro-organismos na formulação e deve ser realizado durante as fases de desenvolvimento de produtos suscetíveis a contaminação microbiológica.
Estudos de Acompanhamento: Realizado após o início da comercialização, monitoram a qualidade e a segurança do produto, confirmando o prazo de validade previamente estabelecido.
Estudos de Uso: Simulam condições reais de uso, como a abertura e fechamento repetidos de embalagens de dose múltipla, para analisar a estabilidade nessas circunstâncias.
Estudos de Transporte: Avaliam os possíveis impactos das condições ambientais durante a distribuição, especialmente para os que são transportados de um continente ao outro.
2. Métodos Indiretos
Embora mais rápidos, esses métodos oferecem menor precisão e podem exigir ajustes no prazo de validade à medida que os itens são comercializados.
Estudos de Estabilidade Acelerados: O produto é submetido a condições de armazenamento mais críticas para induzir reações em um menor intervalo de tempo.
Vale esclarecer que, com base nos resultados obtidos e através de cálculos estatísticos, é possível pleitear um prazo provisório de validade, desde que os estudos apresentem resultados positivos e seja dada continuidade ao estudo de longa duração.
Importante: Se os resultados finais do estudo de longa duração não confirmarem o prazo provisório, a empresa deverá ajustar a validade e implementar um plano de contingência.
Modelos Preditivos: Utilizam modelos e cálculos matemáticos para prever a estabilidade de alguns tipos de produtos, comumente utilizados para picles e molhos. Podem ser usados como alternativa aos estudos de desafio para estimar a sobrevivência, a multiplicação e a inativação de micro-organismos. Porém, é essencial contar com especialistas para aplicar o modelo de forma adequada.
Testes de Estresse: Realizados em curtos períodos (dias ou semanas), são usados principalmente para ingredientes, auxiliando na escolha da melhor fórmula, embalagem e rotulagem. Contudo, normalmente não fornecem resultados que podem ser extrapolados para estabelecer uma validade adequada do produto final.
A escolha do método depende do estágio do processo produtivo e das características específicas de cada formulação.
Desafios para o setor
A RDC nº 843/2024 trouxe novos desafios, mas também reforçou a importância de estudos de estabilidade no setor de suplementos alimentares.
Embora os custos associados testes sejam elevados, existem estratégias para tentar mitigar esse impacto financeiro, como o uso de metodologias reduzidas de agrupamento (formulações semelhantes) ou por matrização. Durante o BHB Talks, foi destacado que esses métodos podem trazer uma redução de 55% e 28%, respectivamente, nos estudos analíticos e na taxa de ocupação em câmara de estabilidade.
Outra alternativa citada é que, ao trabalhar com métodos clássicos (acelerado e de longa duração), é possível otimizar os testes de controle de qualidade, reduzindo sua frequência em determinados pontos das análises, o que pode contribuir para a redução de custos.
A duração dos testes também é um obstáculo para fabricantes e importadores. Neste caso, como não há a possibilidade de redução do tempo de análise, a ANVISA permite que seja apresentado o estudo acelerado no processo de notificação, desde que o em tempo real estejam em andamento.
Nesse cenário, é necessário que as empresas analisem as melhores abordagens para minimizar os impactos financeiros e operacionais, podendo também promover diálogos estruturados por meio de Associações para enfrentar as exigências regulatórias de forma estratégica e sustentável.